sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A LOTERIA DO PENSAR




Uma pessoa do meu círculo de amizade, que não vou identificar, mas que pela credulidade serve como "modelo" para 95% do resto da população, chegou perto de mim pronta para escrever na palma da mão com uma caneta e perguntou de sola:
- Edecildo, domingo agora é dia dos pais. Vai ter o sorteio da "mega-sena", como tu é pai, me dá aí seis números entre 1 e 60 pra eu jogar.
Eu na maior desfaçatez e sem nem piscar, digo num fôlego só:
- 13, 14, 15, 16, 17 e 18!
- Ah, Edecildo, assim não! Fala os números direito!
- Ué, tanto faz! O sorteio é aleatório mesmo!
- Não brinca comigo! Fala salteado, vai.
- 2, 4, 6, 8, 10 e 12!
- Pára com isso, pô.
- Falando sério: Tanto faz mesmo! A chance de ganhar é a mesma do que com qualquer outra combinação!
- Que nada!
- Nunca ouviu falar de análise combinatória no colégio? Aleatório é aleatório.
- Ah, esquece isso. Escolhe na sorte aí pra mim.
- Esquece esse negócio de sorte. Vou te mostrar uma planilha que fiz a alguns anos que mostra suas reais chances de ganhar. Aí talvez você entenda como é difícil.
- Difícil quanto?
- É tão difícil que mesmo se mandarem eu passar na casa lotérica e pegar de graça alguns cupons com algumas apostas para concorrer, eu nem me daria ao trabalho. Imagina ficar na fila e ainda pagar por isso! JAMAIS!
- Que é isso? Tá maluco? Muitos ganham só com uma aposta.
- Eu sei, mas é difícil demais! Você nem imagina! Só funciona porque mostram quem ganhou em meio a muita gente e muita aposta. Já pensou se fossem mostrar os que erraram? Vou te mostrar a planilha...
- Eu só acredito na sua planilha se ela estiver computando os jogos anteriores, mostrando os números que mais saíram, os que menos sairam...
- Nada a ver! Pense no "cara-e-coroa": Se a aposta da "Mega-sena" fosse escolher cara ou coroa em vez dos 6 números em 60, não ia importar todas as estatísticas feitas.
- Como assim?
- Imagine que vou jogar a moeda agora. É uma chance em duas de acertar se você escolher cara ou coroa, ou seja: 50%.
- Certo, vamos lá!
- Afirmo que mesmo que um relatório estatístico mostrasse que os últimos 10 resultados fosse por exemplo "cara", o que seria uma coincidência monstruosa, isso de nada ajudaria a estimar qual seria o próximo resultado.
- Ora, eu acho que ajudaria sim. Pela estatística eu jogaria em "cara".
- Por quê? He he he. Estaria achando que o destino está com defeito? Que está travado no "cara"? He he he
- Sei lá. Parece que eu devo aproveitar essas coincidências do momento.
- Nada a ver! A cada vez que a moeda é jogada, as chances começam "do zero". É SEMPRE MEIO-A-MEIO A CHANCE DE DAR CARA OU COROA, não importa o que o passado mostrou.
- Sei não... eu não acho isso.
- Por quê você não pensou o contrário?
- Como assim?
- Ora, se tem 10 vezes que não sai a "coroa", ela sair na próxima deve ser bem mais possível, logo, vou jogar na "coroa", pois já deve estar "quase dando".
- É... também pode ser...
- Por isso que não pode ser o que a gente quer, é sim a lógica. Se o negócio for aleatório mesmo, não tem porquê haver uma tendência. Ao lançarmos a moeda, sempre volta a ser uma chance em dois de novo. E assim é com as "mega-senas" da vida.
- É uma lógica estranha!
- Mas é a lógica. Admito que nossos instintos emocionais vão meio que contra, mas temos que ser racionais.
- Difícil não ser emocional ao apostarmos para ganhar milhões.
- Não importa! Afirmo que a cada jogo, as chances são iguais de dar tanto 1, 2, 3, 4, 5 e 6, do que 03, 27, 42, 51, 54 e 58. E A MATEMÁTICA PROVA ISSO!
- Tem certeza?
- Tenho! Está tudo nos livros. Te mostro os cálculos e as fórmulas da minha planilha...
Nesse momento, vendo que meu incauto conhecido vacilava, resolvi inventar mais um exemplo.
- Pense bem! Se as estatísticas de algum jornal demonstram que, por exemplo, o número 42 nunca saiu até hoje, isso não muda nada quanto ao que pode ser sorteado amanhã. A MOEDA SERÁ LANÇADA ZERADINHA, E AS CHANCES SE IGUALAM. O 42 pode tanto sair como não, tanto quanto qualquer outro número.
- É... começo a perceber. - Falou meio sem ânimo.
De repente, o olhar de meu conhecido ficou estranhamente vago. Então deu um sorrisinho e anotou na mão alegremente enquanto falava.
- He he he. Vou anotar todos os números que você me disse, INCLUSIVE ESSE 42. Já me deste um bom palpite. DESSA SEMANA NÃO ESCAPA! Pode deixar que se eu ganhar, você não vai mais trabalhar pra ninguém: Pago alguém para cortar seus dois braços e suas duas pernas, HA HA HA HA!
Putz! Eu aqui falando sério e ficam de sacanagem comigo! Percebi então que não tem jeito: As pessoas preferem viver suas fantasias ilógicas do que pensar com lucidez. É uma válida porém torta maneira de ser feliz, mas eu prefiro a minha maneira, que pelo menos não cria falsas espectativas e o horizonte que vejo é bastante real, e quando é belo, é porquê é belo de verdade!

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